“O meu pai sabe, mas faz que não sabe, porque tem vergonha”. Assim fala Maria (nome falso), lésbica, de 20 anos. A mãe e os amigos aceitam a sua orientação sexual. O pai não. Por isso ela não pode aparecer. Está a organizar um movimento gay dentro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde é aluna. E conversou com a Time Out, mas, à cautela, preferiu esconder o rosto nas fotografias.
É o primeiro movimento do género em Portugal. Há cerca de dez anos, na mesma faculdade, houve um semelhante, mas não chegou a arrancar – confirmou a Time Out junto de um dos responsa´veis de então. O nome, Letras Fora do Armário, reflecte o que Maria pensa sobre a forma como a homossexualidade é encarada na sua faculdade. “Apesar de Letras ter um passado tolerante e ligado a movimentos de esquerda, conheço muita gente que é discriminada aqui dentro e ouve constantemente insultos só porque tem demonstrações de afecto para com pessoas do mesmo sexo”.
Carla (também nome falso), de 19 anos, amiga de Maria e uma das três pessoas fundadoras do movimento (o terceiro elemento é um rapaz, com quem não foi possível falar), acrescenta outra preocupação: “Há alunos gays com medo de grupos nacionalistas que existem na faculdade”.
Não será contraditório que quem procura afirmar direitos tenha problemas em se mostrar? “Se o activismo gay em Portugal estivesse dependente de quem dá a cara, simplesmente não existia”, justifica Maria. “Para já é assim, não posso estar à espera de ganhar autonomia em relação aos meus pais para agir”.
À tradicional sigla LGBT, com que se designam movimentos ou associações deste tipo, estes alunos acrescentaram mais duas letras: Q e S. Trata-se, portanto, de um movimento de lésbicas, gays, bissexuais, trans, queer e simpatizantes. Tanta abrangência numa sigla não é preciosismo, diz Maria. “As lutas de cada um destes grupos são diferentes. Queremos mostrar abertura, para que ninguém se sinta excluído”.
Maria não é novata nestas coisas. Desde os 16 anos que está ligada ao activismo. É uma das coordenadoras do núcleo de Lisboa da ex aequo, associação juvenil LGBT, e tem contactos com outras estruturas. Mas o Letras Fora do Armário é independente de qualquer associação, garante. Na semana passada, houve uma primeira reunião, no espaço da faculdade. Ainda não há actividades ou acções programadas. Mas a vontade é a de fazer debates, conferências ou ciclos de cinema, alargar o movimento a alunos, professores e funcionários, e fazer com que o conselho directivo o reconheça.
Curiosamente, a percepção que estes estudantes têm não coincide com a de professores. Frederico Lourenço, escritor e professor de Estudos Clássicos nesta faculdade, revela no livro de crónicas Valsas Nobres e Sentimentais, do ano passado, que a “clarificação pública” da sua homossexualidade (feita a partir de 2002, através de romances e entrevistas) lhe mostrou, ao contrário do que esperava, “uma imagem extremamente positiva” da faculdade. “Colegas que eu via facilmente a cortar relações comigo se ‘soubessem’, fizeram, para meu espanto, um esforço pronunciado para me mostrarem abertura e simpatia”, escreve. letrasforadoarmario.blogspot.com
terça-feira, 15 de Abril de 2008